Capítulo 04: Saulo Inácio – garimpeiro, entregador de pizza, diácono nos EUA e pastor em Palmas
- Rafael Miranda
- 9 de ago.
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Atualizado: 18 de ago.
A partir de uma série de entrevistas do Jornal Primeira Página com amigos, familiares e conhecidos de Saulo Inácio de Sousa, foi possível elaborar um breve perfil desse personagem central, com base nas informações reunidas dos últimos 40 anos de sua vida. A identidade de todos os entrevistados foi preservada.
O objetivo desta parte do trabalho foi mapear as cidades e estados (tanto no Brasil quanto nos Estados Unidos) em que Saulo morou. Outro objetivo foi compreender a relação do pastor com as duas igrejas que frequentou como membro: a New Hope Christian Community (Connecticut - EUA) e a O Brasil Para Cristo (Palmas-TO).
Enquanto membro ativo dessas duas congregações, Saulo abusou sexualmente de cinco crianças entre os anos de 2006 e 2017, conforme os relatos e entrevistas apresentados nesta reportagem. Detalhes e depoimentos estão retratados nos capítulos 01 e 03.
Essas entrevistas, em parte realizadas presencialmente e outras por telefone, ocorreram entre os meses de maio, junho e julho de 2025. Algumas, inclusive, causaram um estado de choque nas pessoas contatadas, que desconheciam completamente o passado criminoso do pastor Saulo Inácio.
Parte destes entrevistados, que conviveram por anos com ele, optaram por não compartilhar nenhuma informação. Já outras pessoas, cientes de que ele estava condenado e preso por crimes sexuais contra crianças, apresentaram informações sobre o que sabiam da história de Saulo Inácio.
Para elaborar este capítulo da reportagem, o Jornal Primeira Página optou por não abordar diretamente, em nenhum momento, os familiares mais próximos do pastor Saulo, como seus irmãos, irmãs, filhas e netas. Essa decisão foi tomada em respeito ao momento que vivem desde o início das investigações — março de 2018.
Saulo Inácio de Sousa, nascido em Pilar de Goiás-GO
Saulo Inácio de Sousa nasceu em 02 de abril de 1965, na cidade de Pilar de Goiás-GO. Ele mudou-se para o então norte goiano no final dos anos 1970, para a cidade de Gurupi-TO. Não foi possível apurar informações sobre sua vida antes dessa fase, enquanto criança e adolescente.
Foi nesta cidade que Saulo conheceu Leda Maria Vieira, com quem iniciou um relacionamento e veio a se casar em 1987. Saulo conheceu Leda por um motivo: sua tia por parte de mãe havia acabado de se casar com o pai de Leda, o senhor Arildo Celso, no início dos anos 80.
Esse foi um segundo casamento do senhor Arildo, que já tinha outros filhos, além da própria Leda Maria. Com a união dessas duas famílias, Saulo e Leda permaneceram juntos até o momento em que ela veio a falecer de câncer, em maio de 2022. Ao todo, foram mais de 40 anos de relacionamento.
Garimpeiro na Agrovila do Cuca – PA
Em 1985, ocorria o auge da corrida pelo ouro no município de Tucumã, na região Sudeste do estado do Pará. Chamado de "Novo Eldorado" na época, o local atraiu milhares de pessoas para o garimpo, principalmente na Agrovila do Cuca, que chegou a ter 15 mil habitantes (fonte: Antônio Ronaldo Alencar e William Gaia Farias, 2008).
Assim, as duas famílias recém-unidas partiram para o estado do Pará, para trabalhar no garimpo da Agrovila do Cuca, deixando a cidade de Gurupi no ano de 1985. Saulo Inácio, conforme apurado pelo Jornal Primeira Página, trabalhou com uma "sugadeira", uma espécie de draga para sugar areia dos barrancos em busca do ouro.
Foi em 1985, inclusive, que nasceu a primeira filha do casal Saulo e Leda Maria, cujo nome é preservado nesta reportagem.
Pesquisas realizadas pela historiadora Elvira Soares de Oliveira (Universidade Federal do Pará) e publicadas no livro "Samuel Lava - um pioneiro visionário que veio em busca do sonho dourado e construiu uma história em Tucumã" informam que o garimpo do Cuca chegou a produzir, entre dados oficiais e estimados, até três toneladas de ouro por ano durante o auge do minério.
Ao todo, foram quase cinco anos trabalhando e morando na Agrovila do Cuca (PA). No começo dos anos 90, Saulo e a esposa deixaram o garimpo e passaram por algumas cidades do Tocantins: Peixe-TO, onde nasceu a segunda filha, além de Alvorada-TO, Palmas-TO e depois Goiânia-GO, de onde partiram para morar nos Estados Unidos em 1999.
Depois do garimpo, conforme relatos obtidos por meio de entrevistas, boa parte da renda da família vinha da esposa Leda Maria, que fazia bolos e pamonhas para vender nas ruas e em frente a igrejas nas cidades por onde passaram antes de se mudarem para os Estados Unidos. A religiosidade, que futuramente seria adotada por Saulo, era algo praticado somente pela esposa.
Os comentários sobre a personalidade de Saulo Inácio, relatados nas entrevistas, indicam tratar-se de uma pessoa carismática e calma. Outros comentários apontaram também para uma pessoa que "não gostava de trabalhar", “preguiçosa” e que se fazia de "vítima o tempo todo".
Um traço de sua personalidade, mencionado em pelo menos seis entrevistas realizadas pelo Jornal Primeira Página, aponta para alguém "extremamente mulherengo". Foram relatados casos em que Saulo traiu a esposa, e constantes comentários envolvendo a aparência de mulheres que via na rua.
Existe um episódio curioso de conhecimento entre os amigos do pastor, ocorrido durante um passeio com a esposa dele pelas ruas de Goiânia-GO: "Uma queda para o lado de mulher, daquele tanto, não existia. Uma vez, passava uma mulher na rua lá em Goiânia e ele cutucou a Leda [esposa] com o cotovelo, passou uma mulher de short, de saia curta, não sei, rebolando na frente, ele a cutucou. Ele nem imaginou que era a Leda quem estava do lado dele. Fez isso pra mostrar a mulher e deu briga”, destacou uma fonte.
Estados Unidos da América
Em 1999, Saulo Inácio, então com 39 anos, e a esposa Leda Maria, com 32 anos, foram embora de Goiânia-GO junto com as filhas pequenas e emigraram para os Estados Unidos (EUA), para a cidade de Stamford, em Connecticut — costa leste do país. Outros irmãos de Leda já moravam lá nessa época.
Nos Estados Unidos, Saulo começou trabalhando como entregador de pizza, além de fazer "bicos" em obras de construção civil e, depois, como carpinteiro, onde fez trabalhos em conjunto com um cunhado seu — que também se mudou para os EUA poucos anos depois.
Foi em Stamford que ele deu seu primeiro passo rumo ao serviço em uma congregação. Saulo tornou-se diácono na recém-criada New Hope Christian Community, igreja fundada por um grupo de brasileiros no ano de 2003.

Com a liderança de alguns pastores na época, todos ainda residentes nos EUA, a igreja começou em um espaço alugado no ano de sua fundação, depois foi para uma sala de eventos em um hotel, e por fim, para um local próprio no ano de 2007, na rua Pacific Street nº 690, onde funcionou até o ano de 2020.

Nos anos finais da igreja, o cunhado de Saulo, mencionado anteriormente, o pastor Filosmar Cordeiro, chefiou a congregação em Stamford. Filosmar não respondeu as mensagens enviadas para comentar sobre a passagem de Saulo na New Hope Christian Community.
Durante o trabalho de apuração desta reportagem, o Jornal Primeira Página localizou uma vítima de abuso sexual de Saulo Inácio ocorrido em 2006 no estado de Connecticut. A vítima tinha nove anos de idade. Seu relato consta no capítulo 03 - clique aqui.
Retorno ao Brasil – a formação do pastor Saulo em Palmas-TO
Em 2009, Saulo Inácio e a esposa, Leda Maria Vieira, retornaram ao Brasil para Palmas-TO. As duas filhas permaneceram nos Estados Unidos. Na capital palmense, Saulo passou a se envolver no projeto da igreja O Brasil Para Cristo (OBPC), uma congregação evangélica que, até agosto de 2025 – data de publicação desta reportagem, possui 2.346 unidades espalhadas em todo o país.
Embora não tenha passado pela formação de pastor evangélico, Saulo Inácio foi escolhido por membros influentes da congregação O Brasil Para Cristo (OBPC) para ser o responsável por essa igreja em Palmas. Esse processo teve início em 2011, através da indicação dos pastores Edson Teixeira e Osvaldo do Vale.
Saulo Inácio conheceu Edson Teixeira nos EUA, durante os anos 2000 em que morou por lá. Ao Jornal Primeira Página em junho deste ano, Edson, que ocupa a função de pastor itinerante na congregação, com trabalhos missionários em vários países do mundo, confirmou que apresentou Saulo Inácio a Osvaldo do Vale.
"Eu apresentei o Saulo para ele [Osvaldo] e eles começaram a conversar. Eu apresentei o Saulo como um amigo que morava em Tocantins e o desejo do pastor Osvaldo era colocar uma igreja aí em Palmas. E o Saulo foi convidado por ele para dirigir essa igreja."
"Sentimos muito por tudo isso que aconteceu, mas conforme diz as escrituras no livro de Hebreus, que toda desobediência traz consigo uma justa retribuição, então ele precisa pagar pelos atos que ele praticou e o meu coração muito doído, machucado, porque eu jamais e todos os amigos dele jamais poderiam imaginar que ele seria capaz de praticar esses atos", finalizou.
Na época, o pastor Osvaldo do Vale era o responsável pela OBPC tanto no estado de Goiás quanto no Tocantins. A igreja O Brasil Para Cristo já estava presente na capital palmense nessa época, porém, a função de pastor responsável por conduzir os cultos era acumulada por Osvaldo, que também atuava em Anápolis-GO.
Edson Teixeira não soube explicar quanto à formação como pastor de Saulo Inácio para assumir a unidade da OBPC em Palmas. "Como foi a transição da convenção do estado do Goiás ou do Tocantins, como é que foi a consagração dele [Saulo], eu não tenho informações."
Saulo Inácio atuou como dirigente da igreja O Brasil Para Cristo em Palmas enquanto completava sua formação de pastor. Neste período, abusou sexualmente de outras quatro vítimas, são elas:
Miriam*, abusada em 2011, aos 11 anos, em Palmas-TO, seguida por Abigail*, em 2015, aos 14 anos, em Minas Gerais e por fim, Débora* e Ester*, com 9 e 10 anos, entre 2016 e 2017, também em Palmas-TO. Todos esses casos foram descritos nos capítulos 01 e 03 desta reportagem.
O Jornal Primeira Página entrou em contato com membros da igreja que trabalham com o pastor Osvaldo do Vale para uma entrevista, porém, não houve retorno. O espaço para manifestação segue aberto.
Confira os próximos capítulos desta reportagem:
Capítulo 05: as articulações políticas de Saulo Inácio na Câmara Municipal de Vereadores e Prefeitura de Palmas
Em Palmas, após o retorno dos Estados Unidos no ano de 2009, Saulo criou vínculos políticos na capital: ganhou um terreno da Prefeitura de Palmas para uma associação religiosa recém-constituída por ele, recebeu uma homenagem da Câmara Municipal de Vereadores em 2017 e trabalhou na Secretaria Municipal de Finanças em 2019, onde assediou uma Jovem Aprendiz.
Capítulo 06 – Os traumas das vítimas e a atuação da rede municipal de ensino em Palmas
A psicóloga especializada em atendimentos a crianças e adolescentes, Dra. Ana Carolina Peixoto, fala sobre os impactos da violência sexual nas vítimas. Entenda também como a rede municipal de ensino de Palmas atua diante de casos de abuso envolvendo alunos e alunas da capital.
Capítulo 07 – Violência sexual no Tocantins: dados, investigações e justiça
Confira os dados sobre os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Tocantins, além do trabalho investigativo da Polícia Civil, por meio da delegacia especializada em Palmas. O capítulo traz ainda uma entrevista com um promotor de Justiça sobre a legislação e a atuação do Ministério Público em casos de abuso contra a população vulnerável.



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