Capítulo 05: as articulações políticas de Saulo Inácio na Câmara Municipal e Prefeitura de Palmas
- Rafael Miranda
- 9 de ago.
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Atualizado: 18 de ago.
Depois que voltou dos Estados Unidos em 2009 e já atuando como pastor evangélico da Igreja O Brasil Para Cristo (OBPC), Saulo Inácio criou vínculos políticos na capital: ganhou um terreno da prefeitura para uma associação religiosa que ele havia acabado de constituir, recebeu uma homenagem da Câmara Municipal de Vereadores em 2017 e trabalhou na Secretaria Municipal de Finanças em 2019, onde assediou servidoras e uma jovem aprendiz.
Neste capítulo, um retrato cronológico desses acontecimentos, que culminaram na destituição de Saulo Inácio da OBPC em meio às denúncias de estupro de vulnerável contra as vítimas Débora* e Ester*.
Criação da Associação O.B.P.C – O Brasil para Cristo
No dia 22 de agosto de 2014, Saulo Inácio criou a Associação O.B.P.C – O Brasil para Cristo, inscrita no CNPJ 21.037.847/0001-10. O pastor tornou-se o presidente dessa associação, junto com sua esposa — responsável pela diretoria financeira — além de outros oito membros.
Conforme apurado pelo Jornal Primeira Página, esse movimento do pastor Saulo, usando o nome da igreja em uma Associação, ocorreu de forma paralela, ou seja, sem consultar os demais dirigentes da OBPC e sua representatividade em nível regional e nacional, algo que gerou desgaste na sua imagem perante a ordem.
Em 20 de novembro de 2015, a Associação O.B.P.C obteve o registro de Utilidade Pública Municipal, por meio do Projeto de Lei do então vereador Rogério Freitas e publicado no Diário Oficial do Município de Palmas em 24 de novembro de 2015.

Cinco dias após obter o reconhecimento como Utilidade Pública, a Câmara de Palmas, junto com o Executivo Municipal, na gestão do ex-prefeito Carlos Amastha (atualmente, vereador na capital), autorizou a doação de um lote para a Associação O.B.P.C – O Brasil para Cristo na quadra ARSE 91 (906 Sul), alameda 9, com área total de 2.857,00 m².
Para conseguir o terreno com a Prefeitura de Palmas, teria ocorrido, em 2015, uma articulação política do então deputado federal do estado de São Paulo, Roberto Alves de Lucena (Podemos-SP), que é pastor e exerceu cargos de influência na presidência da Igreja O Brasil Para Cristo.
Conforme apurado com fontes da Câmara de Palmas, houve um pedido na época do deputado Lucena para atender os projetos de expansão da igreja na capital. Atualmente, em agosto de 2025, Lucena é Secretário de Turismo e Viagens do Governo do Estado de São Paulo.
Logo após a doação do terreno pela Prefeitura de Palmas, Saulo ergueu uma grande tenda no local e passou a realizar ali os cultos evangélicos, no início de 2016. Esse formato de cultos sob tendas é algo muito comum nos Estados Unidos, algo que Saulo possivelmente vivenciou enquanto diácono na New Hope Christian Community em Connecticut (EUA).
Assim, diversas famílias da capital passaram a frequentar o novo espaço. Anteriormente, como já mencionado na reportagem, a igreja funcionava na casa do pastor Saulo. Dentro dessa tenda, Saulo Inácio também abusou sexualmente de crianças — filhas de frequentadores — conforme denúncias das vítimas Débora* e Ester* e que resultaram em sua prisão.
Contudo, o terreno doado não poderia ter como única finalidade a construção da sede da igreja. Com a obrigação de prestar serviços sociais à comunidade palmense, criou-se em 2016 o projeto de construção de uma Instituição de Longa Permanência para Idosos (ILPI), denominada Casa Compaixão — uma ideia defendida pela falecida esposa de Saulo, Leda Maria.
Essa ILPI passou a ser o projeto principal no terreno doado pela prefeitura, e na mesma área, a construção da sede da Igreja O Brasil para Cristo. Em 2017, uma estrutura de alvenaria começou a ser construída no local, mas não foi concluída até os dias atuais — agosto de 2025.

O local, que deveria abrigar um aparato de serviços sociais para uso da população, segue sem qualquer projeto em andamento. Na estrutura parcial que existe no terreno, mora uma família com autorização de um “novo comprador da área”.
A reportagem do Jornal Primeira Página não conseguiu apurar quem seria o novo dono do lote doado pela Prefeitura de Palmas. Na certidão desse imóvel, obtida em junho de 2025 no Cartório de Registro de Imóveis de Palmas, o lote ainda pertence à associação criada por Saulo Inácio de Sousa.
Adendo: Em dezembro de 2015, a Prefeitura de Palmas encaminhou à Câmara Municipal seis Projetos de Leis Complementares que tratavam da doação de terrenos públicos, entre eles, o que beneficiou a OBPC. Os projetos, datados de 14 de dezembro, foram protocolados no dia 16 e, em tempo recorde, aprovados em três turnos de votação no dia 18 do mesmo mês. O Ministério Público do Tocantins (MPTO) questionou as doações de terrenos do patrimônio público a entidades privadas, como associações, sem licitação nem comprovação de interesse público em uma Ação Civil Pública em 2017. Em dezembro de 2020, o Judiciário julgou improcedente a ação.
Saulo Inácio deixa a OBPC após os abusos contra Débora* e Ester*
Saulo Inácio de Sousa, então com 53 anos, foi destituído do cargo de pastor da igreja O Brasil Para Cristo (OBPC) entre o final de 2017 e o início de 2018 e se afastou definitivamente da congregação. A data não foi oficialmente confirmada pela congregação ao Jornal Primeira Página, que solicitou uma nota sobre o assunto.
Fontes consultadas apresentaram uma junção de fatores que haviam desgastado a relação de Saulo com a OBPC, conforme descrito abaixo:
O projeto do pastor Saulo Inácio de construir a sede não obteve êxito e o conselho regional e nacional da congregação O Brasil para Cristo passou a questionar o acúmulo de funções de Saulo, que era pastor da congregação e, ao mesmo tempo, presidente da associação criada por ele mesmo.
Conforme apurado pelo Jornal Primeira Página, outros desgastes ocorreram na época. Os livros de contabilidade dos recursos arrecadados pela igreja na capital não eram feitos por ele de forma regular e transparente. Além disso, haviam os constantes pedidos de Saulo para que a congregação custeasse ainda mais suas despesas pessoais enquanto pastor.
Fontes informaram que essas despesas, como aluguel de casa, alimentação e veículo, já eram pagas desde o início do trabalho como pastor. Contudo, Saulo Inácio queria mais, o que não foi autorizado pela congregação O Brasil para Cristo.
O Jornal Primeira Página entrou em contato com a presidência da Igreja O Brasil Para Cristo (OBPC). Foram solicitados esclarecimentos sobre a atuação do pastor Saulo Inácio na igreja, especialmente após o início das investigações de estupro de vulnerável contra as vítimas Débora* e Ester*:
O tempo de serviço de Saulo Inácio como pastor na igreja;
A ciência da igreja sobre os crimes sexuais, desde o início das investigações em 2018;
O fato de Saulo Inácio ter assumido a chefia da igreja em Palmas sem ter a formação de pastor evangélico.
No entanto, a OBPC não respondeu aos questionamentos nem enviou uma nota oficial. O espaço para manifestação da congregação permanece aberto.
Homenagem da Câmara de Vereadores e uma passagem com assédios sexuais na Secretaria de Finanças de Palmas
Nos meses finais à frente da Igreja O Brasil para Cristo, Saulo Inácio de Sousa foi homenageado, junto com outros pastores e líderes religiosos de Palmas, em uma sessão solene da Câmara Municipal de Vereadores em 21 de novembro de 2017, em comemoração aos 500 anos da Reforma Protestante.
Essa sessão solene foi proposta pelo ex-vereador de Palmas, Tiago Andrino. No vídeo abaixo, Saulo Inácio recebe a homenagem pelas mãos do ex-vereador, Diogo Fernandes. Ao Jornal Primeira Página, Diogo informou que desconhecia o pastor e que foi escolhido aleatoriamente por Andrino para entregar a honraria.
Em nota enviada para esta reportagem, o ex-vereador Tiago Andrino informou que tomou conhecimento do caso de Saulo Inácio a partir do contato do Jornal Primeira Página e lamentou o ocorrido, além de destacar que, na época, não havia conhecimento público de nenhum crime sexual cometido pelo pastor.
“Na sessão solene dos 500 anos da Reforma Protestante, vários líderes religiosos foram homenageados em Palmas, de diferentes denominações. A igreja O Brasil Para Cristo desenvolve um grande trabalho em todo o país, e nossa homenagem foi direcionada à congregação. Infelizmente, anos depois, surgiu essa condenação por crimes deploráveis que ninguém sabia e que a comunidade cristã repudia e combate fortemente. Meus profundos sentimentos às vítimas, e que a Justiça seja feita”, declarou Tiago Andrino.
Quatro meses depois dessa sessão solene, Saulo Inácio passou a ser investigado pela Delegacia Especializada de Proteção à Criança e ao Adolescente (DPCA - Palmas). Neste período até o final de 2017, Saulo já havia cometido os cinco casos de abusos sexuais retratados nesta reportagem contra Rute* (2006), Miriam* (2011), Abgail* (2015) e Débora* e Ester* (2016 e 2017).
Contudo, nenhum deles havia sido denunciado ou investigado pelas autoridades. Assim, tanto os vereadores citados acima quanto o ex-prefeito de Palmas, não teriam como saber dos crimes sexuais de Saulo Inácio, que só viriam à tona pela primeira vez em março de 2018".

Assédios na Secretaria de Finanças de Palmas
Após sair da Igreja O Brasil para Cristo, Saulo ficou desempregado por mais de um ano. Em abril de 2019, na gestão da ex-prefeita Cinthia Ribeiro (PSDB), ele conseguiu um trabalho na Secretaria de Finanças da Prefeitura de Palmas, através das conexões políticas que fez na Câmara Municipal de Palmas.
Um mês antes de ser nomeado na Secretaria de Finanças, Saulo havia se tornado réu na Justiça por estupro de vulnerável contra as meninas Débora* e Ester*. Nesta secretaria, com o cargo de Gerente de Gestão e Finanças, Saulo assediou servidoras, inclusive, uma jovem aprendiz de 16 anos que trabalhava no mesmo setor que ele.
Uma fonte consultada pelo Jornal Primeira Página que trabalhou com Saulo nessa época apresentou relatos sobre o comportamento do ex-pastor, durante o período de um ano e oito meses que esteve lá. “Além de não fazer nada no trabalho, ele dava muito em cima das mulheres. Chegou ao ponto de várias colegas se recusarem a fazer serviços externos com ele, porque no carro ele falava muita sacanagem”.
Na sala do setor de Gestão e Finanças em que atuava, também era comum comentários de cunho sexual contra colegas mulheres jovens. “Ele tinha uma tara por mulheres jovens, isso era claro para todo mundo lá. Sempre que uma novinha entrava na sala ele ficava olhando e depois fazia comentários pesados. Quando eram mulheres mais velhas, ele ficava calado. A gente até brincava com ele sobre isso”.
Quanto ao caso da jovem aprendiz que atuava no mesmo setor que o ex-pastor Saulo, houve o relato de assédio sexual direto contra a menor de idade. “Tinha uma jovem aprendiz lá, de uns 16 anos mais ou menos, que me procurou desesperada pedindo ajuda. Ele [Saulo Inácio] foi fazer um serviço na rua com ela, e pediu para a moça fazer sexo oral nele, falando que ele ia ajudar ela a obter um cargo melhor na secretaria”, destacou a fonte.
Após o caso de assédio, segundo a fonte, a adolescente relatou ter ficado com medo de ser mandada embora, pois havia rejeitado as investidas de Saulo e denunciado. Por fim, foi transferida para outro setor e continuou com suas atividades até o fim do contrato. Saulo não foi alvo de nenhum procedimento administrativo, e permaneceu no cargo até o dia 31 de dezembro de 2020.
Confira os próximos capítulos desta reportagem:
Capítulo 06 – Os traumas das vítimas e a atuação da rede municipal de ensino em Palmas
A psicóloga especializada em atendimentos a crianças e adolescentes, Dra. Ana Carolina Peixoto, fala sobre os impactos da violência sexual nas vítimas. Entenda também como a rede municipal de ensino de Palmas atua diante de casos de abuso envolvendo alunos e alunas da capital.
Capítulo 07 – Violência sexual no Tocantins: dados, investigações e justiça
Confira os dados sobre os casos de violência sexual contra crianças e adolescentes no Tocantins, além do trabalho investigativo da Polícia Civil, por meio da delegacia especializada em Palmas. O capítulo traz ainda uma entrevista com um promotor de Justiça sobre a legislação e a atuação do Ministério Público em casos de abuso contra a população vulnerável.



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